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Muitíssimo interessante a reportagem da Revista Veja de 1969, abordando a situação do "terror" daquela época, servindo mesmo pra gente comparar com o "terror" de hoje.

 

 

12 de novembro de 1969

Estratégia para matar o terror

 

A surpresa, que Carlos Marighella considerava fundamental para o êxito de ações subversivas, foi a arma usada pelo DOPS de São Paulo para derrotá-la. Em seu "Mini­Manual do Guerrilheiro Urbano", o homem apontado como a alma da escalada do terror no Brasil ensinava que "contra a surpresa o inimigo nada pode opor e rende-se perplexo ou é aniquilado". Na noite de terça-feira da semana passada, surpreendido numa armadilha, cercado por quase quarenta policiais, Marighella não se rendeu. E foi aniquilado.  [...] Ele nem chegou a pegar sua arma. [...] Do carro dos "namorados" saltou o delegado Fleury dando voz de prisão. Os "operários" deixaram os materiais de construção e mostraram suas armas. Marighella correu, o ex-Frei Ivo, sentado à direção, abriu-lhe a porta direita e o tiroteio começou. Ivo saiu pela porta esquerda, braços levantados; os homens da segurança de Marighella responderam ao fogo enquanto fugiam; Frei Fernando deitou-se no banco traseiro. Cinco minutos depois estava tudo acabado. Dois mortos: MarighelIa e o protético Friederich Rohmann, que nada tinha com o terrorismo. E dois feridos: o delegado Rubens Tucunduva, com um tiro na perna, e a investigadora Estela Borges Morato, com um tiro na testa (morreu na noite de quinta-feira). [...]

 

[...] A morte de Carlos Marighella, se não significa o fim do terrorismo, põe por terra pelo menos a impressão de uma estrutura sólida e imbatível da subversão. Em todo o país, as declarações de autoridades policiais, militares e de políticos revelam essa tendência otimista para o combate ao terror. Alguns são radicais em seu otimismo, como o General Sílvio Corrêa de Andrade, chefe da Polícia Federal em São Paulo. Para ele, a morte de Marighella representa um tiro de misericórdia no terrorismo. Em Minas, no saguão do DOPS, uma cruz vermelha foi riscada sobre a foto de Marighella num cartaz de terroristas procurados, com a explicação embaixo: "falecido". Os agentes mineiros afirmam que a subversão perdeu sua liderança consciente e passará a agir isoladamente, "sem o comando de um homem tarimbado e experiente na luta clandestina. Vai se entregar a atos isolados até ser totalmente desarticulada pelo esquema repressivo". No Congresso, o Deputado Padre Medeiros Neto quebrou a tradição de fazer elogio póstumo de seus ex-companheiros da Constituinte de 1946. Limitou-se a comentar: "O Marighella até que era um homem afável, mas a sua morte deverá contribuir para esfriar o terrorismo no Brasil. Pois ele representava o suporte ideológico, justamente o mais importante".

 

[...] A inversão de táticas, provocando a sucessão de derrotas parciais dos terroristas, demonstra que o esquema de repressão está agora, pelo menos, emparelhado com o do terror. Até agosto, os choques diretos entre as duas forças eram raros, sistematicamente evitados pelos terroristas. A partir de então, os órgãos repressivos passaram a buscar seus inimigos, forçando-os a um combate aberto. Na sexta-feira, o DOPS paulista fez uma trégua em sua luta, para enterrar a investigadora Estela Borges Morato. Delegados e investigadores levaram o corpo para o cemitério de Campo Grande, em Santo Amaro, debaixo de forte chuva (que um investigador, falando de improviso, junto ao túmulo, chamou de "lágrimas de Deus"). Os terroristas, porém, não pensaram em trégua. Na mesma sexta-feira, três homens, armados de fuzis-metralhadoras, assaltaram a Kombi de um banco, na Freguesia do Ó. Deixaram o motorista - que estava desarmado - a pé e levaram dinheiro (NCr$ 40.000,00). Esse assalto reforça o ponto de vista das autoridades, como o secretário da Segurança da Guanabara, General Luís França de Oliveira, para quem a morte de Marighella está longe de representar uma vitória definitiva "nesta guerra de proporções continentais". Os policiais cariocas, tanto da DOPS como da Polícia Federal, observam que as organizações terroristas, divididas em pequenos grupos estanques, dissidências ideológicas e diferentes linhas de ação, não podem ser destruídas com a morte de um único líder, por mais importante que seja. Mesmo divididos, os grupos do terror seguiam as idéias e os planos de outros homens, além de Marighella. Ele era o líder mais importante, o único que reunia qualidades indispensáveis para comandar a subversão violenta. Tinha longa experiência de luta clandestina, possuía habilidade política e era um homem de ação, que inspirava confiança em seus comandados.

 

OS HERDEIROS DO TERROR - Agora, quem tem condições para substituir Carlos Marighella e tentar o que ele não conseguiu - a união das várias facções? O primeiro nome que surge é o do ex-capitão Carlos Lamarca. [...] Lamarca teria conseguido, justamente em Minas, reunir em torno de si dois grupos então desfalcados com as prisões de muitos de seus membros: Comando de Libertação Nacional (Colina) e Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Da união nasceu a Vanguarda Armada Revolucionária "Palmares". Pelo menos no momento, porém, Lamarca não poderia assumir a liderança. Há informações seguras de que está no Uruguai, para onde fugiu levando o dinheiro arrecadado em assaltos a bancos. Não se sabe se ele foi para ficar ou para encontrar-se com Joaquim Câmara Ferreira, o "Velho", ou "Toledo", braço direito de Carlos Marighella. Este é o segundo nome que surge em todas as considerações a respeito do novo líder do terror. Fugiu para o Uruguai na semana passada, levado pelo seminarista dominicano "Frei Beto", que primeiro o escondeu no Seminário Cristo-Rei, em São Leopoldo. Toledo é considerado o lntelectual do comunismo violento. [...]

 

A DUPLA NO COMANDO - Além de Toledo e Lamarca, os outros nomes apontados são os de Leonel Brizolla e Onofre Pinto. Em seus discursos no tempo em que era deputado federal, Brizolla já defendia soluções violentas para os problemas nacionais. Por isso, desde a Revolução de 64, seu nome sempre surge quando se fala em movimentos para a retomada violenta do poder. O general Luís França de Oliveira, respondendo a uma pergunta sobre os rumos da subversão, disse que "seu foco atualmente está localizado no Sul. E é alimentada (a subversão) de fora das nossas fronteiras". A afirmação continha uma insinuação clara à pessoa de Leonel Brizolla, exilado no Uruguai. [...] Mas se dúvidas existem quanto ao novo líder, há a certeza de que a luta vai continuar. Como dizia um delegado do DOPS de São Paulo, "entre os terroristas e a polícia, o que se vê é uma partida de xadrez. Acabamos de derrubar uma torre, um bispo ou talvez a dama dos terroristas. Mesmo o pior jogador prevê, no mínimo, três jogadas adiante. Agora, eles vão dar um lance de bispo ou peão. Pode ser um seqüestro ou um atentado a bomba". Mas a posição das peças no tabuleiro ainda não permite prever o xeque-mate.

 

http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_12111969.shtml

 


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